oi, você.
na newsletter de hoje temos:
🚜 um caipira na cidade grande
🎓 uma excursão universiotária
🧾 problemas pra se identificar
mas antes, anúncios do bem.
Reclames e etc.
pessoa, estou fazendo revisão e preparação textual de não acadêmicos e acadêmicos.
se quiser contratar os meus serviços, preencha o formulário e vamos conversar.




clique no botão abaixo para preencher o formulário 👇
agora, o texto de hoje. ei-lo!
espero que goste 👇
1.
eu tenho nome
e quem não tem?
sem documentos eu não sou ninguém!
eu sou Maria
eu sou João
com certidão de nascimeeeentooooo…
sou cidadããããããããããão!
se você leu no ritmo da propagada da Unicef que passava nos comerciais da tv, talvez você tenha feito tantos aniversários quanto eu. se você não reconheceu, aproveite a juventude; que é tipo uma namorada tóxica quando tá por perto, mas que você morre de saudade quando vai embora.
a trilha sonora de abertura dessa crônica é sobre a importância de ter documentação para a cidadania. se tiver curiosidade (ou nostalgia) você pode ver aqui. resolvi começar daí porque dizem que a pior forma de contar uma história é apenas contar a história. o gostoso é a conversa paralela, a digressão…
no bsky, o novo twitter, alguém postou que as autoridades estadunidenses têm pedido para as pessoas pararem de usar cartão de loja pra se identificar. imagina ser parado pela pm da sua cidade e você apresentar um cartão da renner pro guarda? tudo isso me fez lembrar de um vídeo maravilhoso da Maria da Conceição Tavares falando que é assim mesmo que a galera de lá se identifica — carteira de automóvel e cartão de crédito.
um novo conceito em cidadão: o consumidor.
ao longo dessa crônica, você verá que eu fui mal sucedido ao tentar fazer quase a mesma coisa.
2.
um dos meus maiores defeitos é achar que, em algum momento da minha vida, eu vou acabar falando igual Maria da Conceição Tavares nas minhas aulas. outro defeito é uma incapacidade proposital de entender burocracias. identificar-se com documentos em certas ocasiões, por exemplo. acho desnecessário.
certa feita, inscrevi, meio coagido por uma professora, um trabalho meu em um congresso internacional de metáforas que ia acontecer na UFMG. foi uma das melhores coisas que eu poderia ter feito por coação na minha vida. passei uma semana sozinho, longe de casa, da faculdade (que me consumia a vida na época) e do trabalho (que também tava me matando). a faculdade custeou minha ida e volta de trem. passei praticamente dois dias viajando e três no evento em si (um adendo: todas as marcações de tempo aqui são incertas). enfurnado na UFMG, eu, um graduando de letras que quase não sabia de nada, conversando com mestres e doutores do mundo todo sobre metáforas, participando de jantares, coquetéis, comunicações e até de happy hours da galera que fez amizade no congresso (um canadense, um holandês e uma peruana em um bar. praticamente uma piada do Ary Toledo).
no fim das contas, foi tudo um rolê meio “caipira universitário na cidade grande”.
e tudo isso sem a identidade — havia perdido meu RG com uma fotinho de quando eu tinha 14 anos (quando a 2ª via ficou pronta, eu encontrei a 1ª via, depois perdi de novo); enquanto o documento não ficava pronto, sempre que precisava me identificar, usava a CTPS, como bom CLT que sempre fui.
até a data de hoje, não tenho carteira de motorista (outra falha de caráter).
pra viagem, esqueci de colocar a CTPS na mochila e fui. comprei as passagens de ida e volta com a grana que a faculdade deu e estava esperando o trem na estação.
3.
o trem chegou. mostrei a passagem. embarquei e segui viagem. ninguém pediu nenhum documento. treze horas e meia no trem. tempo o suficiente pra descobrir algumas coisas: nem no transporte ferroviário vale a pena pegar assento perto do banheiro; ninguém ficava vigiando se você estava na área econômica, então dava pra ficar no vagão da classe executiva, que era ruim igual o da classe econômica, mas com mesinhas; e a comida do restaurante era péssima, o que explicava o casal de velhinhos abrindo 72 tupperwares às 11h30 deixando um vagão inteiro com cheirinho de ensopado e arroz com feijão.
num determinado momento, uma senhorinha que desceu bem antes de BH sentou ao meu lado e puxou conversa porque eu tava com um monte de livro. ela era bibliotecária e ia visitar os filhos. eram três homens, todos bibliotecários também. eu desconfiaria que esse papo com a matriarca dos bibliotecários tivesse sido apenas um sonho se fosse possível dormir no trem.
4.
quando cheguei em BH, desci na estação. me comunicando com a minha professora, acho que pelo whatsapp, peguei um ônibus pra vizinhança dela (na pampulha talvez, novamente, todas essas informações muito incertas, possivelmente erradas). rodei mais do que eu devia porque peguei o ônibus certo no sentido errado. o “caipira na cidade grande” aí.
no fim das contas, e com ajuda das pessoas mineiras (as melhores pessoas!), cheguei onde tinha que chegar. minha professora, na época já ex-professora, tinha deixado de me dar aula pra fazer um doutorado. não sem antes me fazer escrever um artigo que eu ia expor no congresso. ela morava com o filho dela, que jamais poderia dizer se real ou fruto de alucinações, pois nunca o vi. quando cheguei, tinha um colchão com travesseiro e roupa de cama no canto da sala de estar, que entendi ser meu lugar. era pouco, mas suficiente, quase não fiquei lá fora das horas em que estava dormindo. passava o dia no congresso e quase sempre tinha algum after, oficial ou não, depois das programações acadêmicas. depois de tudo isso, eu dormia pra no outro dia pegar o ônibus e ir pra universidade de novo.
no primeiro dia, minha anfitriã ausente, visto que nos falamos mais por mensagem do que de qualquer outra forma, me mandou pegar um ônibus que passava na outra quadra.
“ah, legal. quanto custa?”
“é de graça, João.”
“ah, e como faz pra pegar, tem que apresentar algum documento, alguma coisa…”
“não. no ponto vai ter um monte de universitário. o ônibus tá escrito UFMG. você sobe e vai. pede ajuda pra descer perto da faculdade de letras.”
percebendo minha cara de desconfiado ela meteu logo.
“… deixa de ser caipira, rapaz. só entra no ônibus e vai. ninguém vai perguntar nada”.
sei que vai parecer repetitivo de dizer, mas, é sempre válido ressaltar que dificilmente qualquer diálogo desses tenha realmente acontecido assim, mas tenho quase certeza de que a ideia central era essa mesmo.
foi o que eu fiz. e ela tava certa. confesso, que fiquei encantado com toda essa liberdade de ninguém se importar com quem você é e o que você tá fazendo ali. não precisar mostrar nem um documentozinho. é só se apresentar pros outros com o nome que seus pais te deram ao nascer (ou com o que você quisesse). enfim, ficar encantado com esse tipo de coisa só confirma a teoria do “caipira na cidade grande” da minha professora.
por outro lado, e não querendo dar ideia, havia um coral de vozes paranoicas na minha cabeça entoando em canto gregoriano que a qualquer momento, essa facilidade toda pra alguém tomar uma condução, iria colocar um maluco no ônibus pra protagonizar uma tragédia estilo cidade alerta.
5.
os dias de do congresso acabaram. hora de voltar.
quase cheguei atrasado na estação de trem no centro. acordei mais tarde do que deveria. mas deu certo. pra entrar no trem, vi que todo mundo tava mostrando documento.
gelei.
chegou minha vez e eu tava torcendo, inutilmente, pro fiscal de embarque não pedir documento. ele pegou minha passagem na mão e pediu um documento com foto.
a carteirinha da faculdade! era uma espécie de cartão, rígido, que nem um cartão de banco. tinha uma foto minha da época e o número do meu CPF. devia servir!
“não aceita. tem que ser documento”.
a carteirinha da faculdade tinha mais aparência de documento do que praticamente todos os meus documentos. além disso, o nome e o CPF da passagem batiam com os da carteirinha. quem falsificaria uma carteirinha de faculdade particular em Colatina no Espírito Santo para pegar um trem?
meti a mão na mochila torcendo pra milagrosamente algum documento com foto brotar de lá. senti uma cédula molenga, frágil de tudo, quase despedaçando.
“certificado de reservista serve?”
“se tiver foto.”
a própria falta de certeza do conferente mostrava a improbabilidade de qualquer pessoa ter se identificado com um certificado de dispensa do serviço militar nos últimos 17 anos.
mostrei. tinha foto. tive medo não de o documento não valer, mas de se esfarelar e desintegrar na minha mão quando o olhar do fiscal caísse sobre ele. entrei no trem.
voltei pra casa.
é isso por hoje, você.
essa newsletter está voltando a ser semanal (graças a 2% de compromisso 7% de irresponsabilidade e 78% de doideira — não sei fazer conta e dessa vez eu nem tentei).
considere assinar um plano e entrar pro etc+ (grupo de assinantes premium que têm direito a usar o elevador).
ou faz um pix de qualquer valor pro email joaovictorfiorot@gmail.com tal qual um nobre transeunte jogaria uma moeda de ouro no chapéu do menestrel pra ajudar ele a comprar um ramalhete de flores pra B.
Não sei o que me surpreende mais: os estadunidenses apresentarem cartão de loja pra se identificar ou você andar com a carteira de reservista na mochila. Assim que ganhei a minha, já escondi num buraco-negro de documentos, ainda mais porque a foto era quase de um homem das cavernas --o que me faz perguntar até hoje "por que os milicos não me escolheram, a fim de me sacanear?"
Dei boas risadas 😅😅😅
E não sabia que nos EUA a galera mostra cartão de crédito. Meu deus...