janeiro é um domingo à tarde
a música do fantástico começou e, de repente, você ficou triste
1.
o início do ano é estranho. mais especificamente o mês de janeiro.
um romano conservador deve ter sentido muita ira e xingado muito no tvíter em um sonoro latim vulgar vulgar (porque latim vulgar era o nome do idioma no qual falava as imprecações do seu vocabulário que também eram vulgares) quando acrescentaram mais dois meses a um calendário “perfeitamente” alinhado com 10 meses.
a raiva do nosso romano gritando em latim vulgar² é compreensível já que múltiplos de cinco são números muito mais agradáveis e amistosos do que quaisquer outros.1
jano (em latim, Iānvs, ou ainda jânus) foi a divindade escolhida para ser homenageada o primeiro mês do ano porque, reza a lenda, era o deus das transições, que tinha poder sobre todos os fins/começos. suas duas faces, uma olhando para frente, a outra, para trás, enfatizam essa simbologia e trazem muita praticidade na hora de fazer baliza com a biga no estacionamento do coliseu.
o início do ano é estranho. mais especificamente o mês de janeiro. jânus nos abençoou com um mês esquisito e um nome infamemente trocadilhesco.
essa edição devia ter saído em janeiro — mas, cá estamos nós. principalmente porque ela começou a ser escrita nos meus últimos dias de férias. o início disso é uma carona que me economizou 19 reais e 30 minutos de desconforto em um ônibus até a praia. para alguns, um preço justo a se pagar para não ter de ouvir a rosas de saron como trilha sonora da viagem; uma banda que mirou no guns n' roses (o que já era uma expectativa bastante modesta pra dizer o mínimo) e acertou no nicklelback (aquela banda que você confunde com creed e vice-versa).
para mim, um fim de semana qualquer.
2.
confesso, parte da experiência de estranhamento do mês de jânus vem de eu ser professor e janeiro representar o momento de voltar à rotina. o que representa o momento de deixar uma outra rotina. a das férias. é uma maximização do efeito que as pessoas que ainda assistem televisão sentem quando começa a tocar a música do fantástico no domingo.
janeiro é o domingo à tarde dos professores.
por fim, até a sofrível cultura dos memes, acusa o mês de jânus como o portador de tediosos infinitos dias2 que serão lembrados com saudosismo enquanto uma solitária lágrima despenca doce e tristemente do olho esquerdo na quinta-feira que chega impiedosamente depois da quarta-feira de cinzas.
em minha viagem, que não foi tão legal, mas já sinto falta, a falta de sinal de internet parece ter interrompido o disco do RDS, embora a falta de carisma da banda siga ecoando de maneira latente nas paredes do carro. cogito abrir o pdf sobre niilismo no meu celular, mas falhei, por algum motivo, o arquivo não estava mais lá3 e eu estaria, nos próximos minutos, ironicamente, me entretendo com nada.
3.
além dessas questões, o mês de jânus evoca em mim a especial percepção de que o tempo é um acordo, como aquele que foi feito entre os pais de lucas ribamar lopes dos santos bibiano (vulgo ribamar, ex-”atacante” do vasco) e o estado quando decidiram, sem ouvir todas as partes envolvidas no acordo, de que o nome do bebê seria lucas ribamar lopes dos santos bibiano.
e, assim como no caso ribamar, toda a humanidade, especialmente a ocidental, resolveu concordar que estamos seguindo os mesmos segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, em calendários e fusos horários diferentes. é impossível comprovar que o tempo seja real de verdade, exceto através da utilização de outros instrumentos que servem pra medir o tempo, que também são inventados e também fazem notações que são acordos traçados pela linguagem que cria palavras tão bonitas quanto “sim”, e tão hediondamente horrorosas quanto o plural de “fuso horário”.
ficamos todos olhando para o pêndulo de um relógio e ouvindo a voz lenda e envolvente do hipnólogo e caímos todos em um transe coletivo de que o tempo existe. e o estalo de dedos que promete nos acordar do transe só acontece quando já é tarde demais.
finalmente, chego na casa de praia dos amigos. por arranjos diversos, a digníssima e as crias vieram na frente. a digníssima está especialmente efusiva pela minha chegada4. ela tem um prazer todo diferente em me tirar de dentro de casa e, nesse momento, finalmente, entendo o porquê disso. como pessoa competitiva que é, deve contar como vitória quando me faz sair.
4.
tomo um rápido café e sento pra terminar de fazer a revisão de um texto que estou redigindo nas férias. sou impedido de fazê-lo graças ao suíngue de billie jean que estoura nas caixas de som de um vizinho compartilhando docemente com a vizinhança sua variada coletânea de clássicos dos anos 80.
nenhuma música tocava por mais de um minuto e meio. vê-se que o vizinho é um audiófilo precoce. sinto que é um bom momento pra desistir e ir tomar outro café.5
foi então em que descobri o que acontece quando a tv digital é ligada em uma tv de tubo.
a imagem na tv é do jornal local, que nesse momento falava sobre o homem que foi dado como morto por um cartório. um erro. os documentos dele foram invalidados por causa do óbito, mas, após a constatação de que o cara ainda estava vivo, nenhum documento foi revalidado. nas curiosas palavras da repórter, "a vida do sérgio continua parada”. mais ou menos — ele conseguiu trabalho, mas não conseguiu se casar civilmente. no contrato, assim como o tempo, que foi feito através da linguagem sobre quem vive e quem não vive, o Estado resolveu assumir que o sérgio está morto e portanto não pode se casar, apesar de poder trabalhar.
talvez sérgio seja o primeiro caso de zumbi civil de que se tenha notícia.
5.
eu tentei voltar a escrever depois de acompanhar o pequeno episódio tragicômico da vida de sérgio6 , o que deu meio certo.
mais pra dentro da noite, dava pra ouvir o eco animado de algum show que suponho ocorrer na rua principal. é verão no brasil e estamos na praia afinal. o eco não incomoda nada e até funciona como barulho branco, quase como a sensação do som do mar, que de tão longe, faz parecer que eu estou submerso.
é uma técnica antiga essa de ninar crianças, enfim, mais um pequeno processo de hipnose que me encaminha pra um sono esquisito que me encaminha pra todas as coisas que começam junto com o ano.
por fim, um cartum.
por ora, é isso.
atenciosamente, JV.
e isso não está aberto para discussões.
quem dera.
recuperei o arquivo depois.
o que, apesar dos 10 anos de casamento (e talvez por causa deles) ainda me deixa muito confuso.
havia café o tempo todo, o que foi ótimo pra passar o tempo e melhor ainda pra comprovar a minha total falta de controle no consumo de cafeína.
que ressuscitou para o inss no mês de fevereiro.
Janeiro demorou uma vida pra passar e tô aqui, 8:11 do último e extra dia de fevereiro, pensando nele com carinho porque foi o mês que vi meus pais após quase um ano distante, tive férias e comi camarão quase todos os dias por mais de uma semana. Tá rolando uma percepção estranha do tempo, ele demorou, mas foi rápido durante a estadia, fevereiro voou, mas tô confundindo eventos dele com janeiro. Enfim, hoje esse texto teve uma voz clara e leve na minha cabeça, nem vi ele terminar.
fala, Jão!
eu sempre gostei de janeiro, talvez por não ser professor, talvez por ser o mês do meu aniversário.
obrigado por contar a história da origem do nome desse mês, não conhecia.